Adam

Sexta passada eu e Adam nos beijamos, em plena 8h da manhã, mas parecia um entardecer com cara de fim do mundo. As vezes as ocasiões nos proporcionam momentos imprevisíveis como aquele, tinha até um aglomerado razoável de pessoas... 

Parecia um dia qualquer, onde todas as pessoas estavam empolgadas no shopping, se divertindo, comprando, observando vitrines e inaugurando lojas. Estranho não é?! Nunca mais tinha visto tanta gente junta, era um dia da semana onde as pessoas estavam animadas, pois além de pessoas quaisquer tinham pessoas importantes, como artistas rodeados de fotógrafos e repórteres e do nada lembrei do que meu professor de Teoria e Método em Geografia me disse, "shopping não foi feito pra saber que horas são, justamente pra gente se perder no tempo lá dentro".

Foi então que eu decidi sair de lá, procurar uma porta de saída e para minha surpresa, eu quase não a encontro e quando a achei, estava sem nenhum tipo de segurança. Meu espanto foi maior quando vi que o shopping se localizava num terreno cercado de vários nadas! Como se fosse um terreno desmatado, pronto pra ser semeado e tinham cercas de arame farpado, porém muito distante uma da outra. As coisas só pioravam pra mim, até que alguns veículos se aproximavam da entrada a qual eu tinha saído do shopping e encontrei Adam. Não entendi porque ele tava tão bem vestido, como se fosse uma das celebridades convidadas pra alguma inauguração do shopping, mas ele logo sinalizou pra mim, dizendo que tinha chegado, me abraçou e não me soltou mais. Até então foi a atitude que me deixou mais confortável em meio a tantas estranhezas, fora que a tarde estava começando a cair.

Quando entramos no shopping, realmente tínhamos que comparecer à uma loja que Adam confirmou presença e uma entrevista e quando estávamos numa escada rolante, escutei uma senhora bem maquiada dizendo que estaria prestes a acontecer um evento catastrófico que iria abalar a todos, porém ninguém poderia saber. Isso me deixou bastante cismada, pois não sabia como dizer à Adam, ele estava tão empolgado com as pessoas à sua espera que aguardei enfim chegarmos a esse lugar que ele era esperado.

Não costumo ser explosiva, mas quando chegamos, vi que tinha uma caixa de som e um microfone sendo usados e tomei o microfone de um cara que estava ajustando pra usar o som e soltei essa bomba, de que algo estava por acontecer e por fim, confirmaram que seria uma pandemia que estava vindo, que teríamos que ficar distantes uns dos outros e que um vírus letal poderia estar circulando aquele local cheio de gente. As pessoas não esboçaram reação adversa, mas como houve a confirmação por outras pessoas, o descontrole logo começou a tomar conta de todas as pessoas dentro do shopping e no meio de tudo aquilo, o Adam se declarou pra mim... Ele disse que viu em mim a coragem que nunca tinha visto em alguém e que gostaria de passar aquele momento de euforia e caos junto comigo, que não queria ficar sozinho e nem queria me deixar sozinha, que a gente tem muito o que viver juntos e que queria começar ali, agora, independente de ser um momento de descontrole sanitário na humanidade.

Adam me beijou. Aquele beijo foi como sangue que entrara em minhas veias em tempos de anemia, me deixando quente, corada, forte e o mais importante, viva. O calor do corpo e do momento fizeram com que nos abraçássemos tão carinhosamente que caímos num banco do shopping e rimos, ao mesmo tempo que ainda nos beijávamos e nos declarávamos alegres por termos tido essa oportunidade, de termos nos encontrado a tempo de passar esse episódio juntos e em milésimos de segundos, eu o olhei profundamente nos olhos e disse "tá bom, Adam, se não vou achar que é verdade". E acordei.

Eu e Adam nos beijamos em plena 8h da manhã e acho que é algo que não vou esquecer tão cedo, até ter algo mais empolgante e quente pra sentir em meio a esse isolamento social. Hoje ele é papel de parede do meu celular. Assisti "Paterson" pra lembrar o quanto ele é uma pessoa dedicada aos trabalhos que faz e no próprio filme, um escritor anônimo, como eu.

Como eu queria que fosse verdade, Adam...